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Nota Técnica – pedido de uniformização de jurisprudência TRF4
28/03/2022
A OAB/RS, por meio de sua Comissão de Seguridade Social, divulgou uma nota técnica a respeito do pedido de uniformização de jurisprudência que tramita no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
Tendo em vista a repercussão advinda da decisão proferida nos autos, cujo voto condutor foi da lavra do eminente Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, a Ordem gaúcha entendeu necessário expor seu posicionamento a respeito do tema, até porque desde a publicação da Emenda Constitucional nº 103/2019, os segurados, tanto de Regimes Próprios, como do Regime Geral de Previdência Social, vêm sofrendo enormes prejuízos em face da sistemática adotada na concessão de APOSENTADORIAS POR INCAPACIDADE PERMANENTE que, por vezes, interfere até mesmo na concessão de pensões por morte.
Até o advento da já referida Emenda Constitucional, as aposentadorias por invalidez, nos termos estabelecidos no artigo 44 da Lei 8.213/91, eram fixadas em 100% da média contributiva que, por sua vez, era apurada com base nas 80% maiores contribuições vertidas pelo segurado ao longo da sua vida laboral (para aqueles inscritos antes de 26/11/1999 - Lei 9.876/99) ou então a partir da competência julho/1994, para aqueles já inscritos quando da edição da Lei 9.876/99.
Considerando-se que o artigo 75 da Lei de Benefícios estabelecia que na hipótese de o segurado falecido ainda não estar aposentado no momento do óbito, o cálculo da pensão se daria com base no valor da aposentadoria por invalidez a que ele teria direito, até o advento da Emenda Constitucional as pensões devidas a dependentes de segurados falecidos não aposentados, também tinham sua alíquota fixada em 100% da média apurada.
Com a chegada da “REFORMA DA PREVIDÊNCIA” muitas mudanças ocorreram. Não foi apenas o nome do benefício que foi alterado, mas também a forma da apuração do seu valor. Atualmente a APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE, que antes tinha sua renda mensal inicial fixada em 100% da média, hoje tem o seu valor variando conforme o tempo de contribuição do segurado e também a origem da incapacidade.
Apenas para contextualizar e em poucas palavras, a partir da EC.103, as aposentadorias por incapacidade permanente serão apuradas com base em todas as contribuições vertidas a partir de julho de 1994 (para segurados já inscritos até 13/11/2019) ou desde a sua inscrição se for posterior e a renda mensal inicial será igual a 60% da média contributiva, acrescida de 2% a cada ano de contribuição que ultrapassar os 20 anos no caso do homem e 15 anos no caso da mulher. Quando estivermos diante de uma aposentadoria por incapacidade permanente deferida em face de um acidente de trabalho, de doença profissional ou de doença do trabalho, a renda inicial será igual a 100% da média (artigo 26, caput, §2º, inciso III, §3º, inciso II e §5º, todos da Emenda Constitucional 103/2019). Como se vê, a reforma da previdência estabeleceu que a partir da sua vigência o valor das aposentadorias por incapacidade serão fixados conforme a origem da doença (incapacidade) e o tempo de contribuição do segurado.
Tendo em vista que as pensões por morte deferidas para os dependentes de segurados não aposentados no momento do óbito, continuam tendo como base o valor da aposentadoria por incapacidade permanente a que o falecido faria jus no momento do seu óbito (artigo 23 da EC. 103), evidentemente que também algumas pensões por morte foram duramente afetadas com a modificação dos critérios de apuração da aposentadoria por incapacidade.
Feita a explanação acerca do tema, a COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL DA OAB/RS vem se manifestar, através da presente nota, favoravelmente a tese adotada pela Turma Regional de Uniformização de Jurisprudência, uma vez que não há razão para a diferenciação feita pelo legislador reformador no que diz respeito ao valor da aposentadoria por incapacidade decorrente de acidente de trabalho, de doença profissional ou de doença do trabalho e da aposentadoria não acidentária.
Em primeiro lugar, considerando-se que o bem tutelado é a capacidade laboral/integridade física, pouco deveria importar a origem da incapacidade ou o tempo de contribuição apurado. Verificada a incapacidade permanente do segurado, a renda mensal inicial do benefício deveria ser fixada em 100% da média apurada, mesmo que sua origem não esteja num acidente de trabalho ou numa doença ocupacional, tendo em vista não ser crível “beneficiar” o segurado que se acidentou em detrimento daquele que se tornou incapaz em decorrência de uma doença “qualquer”. Dois segurados numa mesma situação – incapacitados para o trabalho de forma permanente – não podem receber benefícios com coeficiente diversos sob pena de flagrante afronta ao princípio constitucional da igualdade. Implementados os requisitos, a renda mensal inicial da aposentadoria por incapacidade permanente deve ser igual a 100% da média apurada, independentemente da origem da incapacidade.
O tratamento diferenciado dispensado ao benefício previdenciário por incapacidade permanente, baseado no tempo de contribuição e na origem da incapacidade, também se mostra equivocado uma vez não é razoável aplicar-se a dita diferenciação. Não há razoabilidade para que o princípio da igualdade seja mitigado. Os critérios de concessão dos benefícios, como por exemplo, a carência até podem variar, no entanto, uma vez implementadas as condições não há razoabilidade capaz de embasar um tratamento diferenciado entre dois segurados que estão definitivamente incapazes para o trabalho tão somente porque um deles tem mais ou menos tempo de contribuição que o outro ou porque a origem da incapacidade de um é acidentária.
Uma vez que a EC. 103 não alterou o coeficiente de cálculo do auxílio-doença, o segurado do RGPS que estiver TEMPORARIAMENTE INCAPAZ para suas atividades, receberá um benefício melhor que aquele que lhe seria pago caso verificada sua incapacidade permanente. Poderíamos dizer, em outras palavras, que quanto “maior a incapacidade” menor o valor do benefício, o que certamente demonstra que a proteção trazida pela EC. 103 aos aposentados por invalidez cuja origem não esteja relacionada ao trabalho, mostra-se totalmente insuficiente. Não se pode admitir que um benefício de auxílio-doença – que vem para tutelar a incapacidade temporária – tenha uma renda mensal inicial superior a de um benefício da aposentadoria por incapacidade permanente que, em tese, serve para tutelar uma situação mais grave. É evidente, portanto, que a nova sistemática não atende o disposto no inciso I do artigo 201 da Constituição Federal que determina a proteção dos segurados incapacitados de forma permanente para o trabalho.
Apenas para bem demonstrar a implicação da regra estabelecida no inciso III do §2º do artigo 26 da Emenda Constitucional 103, podemos imaginar a situação de um segurado homem que depois de 20 anos de contribuição está incapaz para o trabalho e tem uma média contributiva de R$ 3.000,00 (três mil reais). Na hipótese de a incapacidade ser temporária, independentemente da sua origem, esse segurado receberá um auxílio-doença de R$ 2.730,00 (dois mil, setecentos e trinta reais). Caso a incapacidade seja total e permanente e tenha origem num acidente de trabalho, doença profissional ou doença do trabalho, o valor da aposentadoria por incapacidade permanente será de exatamente R$ 3.000,00 (três mil reais). Agora, se a incapacidade total e permanente decorrer de outra doença qualquer sem vinculação com as atividades laborais, o valor dessa mesma aposentadoria por incapacidade permanente ficará em R$ 1.800,00. É evidente que o tratamento dispensado a última situação ofende a diversos princípios constitucionais, mas especial aos princípios da igualdade e da razoabilidade, além de não observar o comando contido no inciso IV do artigo 194 da Constituição Federal que garante a irredutibilidade do valor dos benefícios.
Por fim há outra questão que não podemos perder de vista. Os segurados não escolhem ficar incapaz para o trabalho. Tanto a incapacidade como sua origem são questões aleatórias a vontade do segurado, diferente do que ocorre em relação aos benefícios programáveis, quando cabe exclusivamente ao interessado decidir acerca do momento adequado. Diante disso não há como se admitir qualquer diferença de valor entre a aposentadoria por incapacidade permanente de origem acidentária daquela com origem em outra doença que não esteja relacionada ao trabalho. Também por isso a inovação trazida no inciso III do §2º do artigo 26 da EC. 103/2019 mostra-se inconstitucional por afrontar os princípios já antes referidos.
Diante de todo o exposto, a COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL DA OAB/RS, manifesta-se totalmente favorável a tese adotada pela Egrégia Turma de Uniformização de Jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no sentido de que é inconstitucional o disposto no já citado inciso III do §2º do artigo 26 da Emenda Constitucional 103, de modo que a renda mensal das aposentadorias por incapacidade permanente deve ser fixada em 100% da média apurada (salário de benefício) independentemente da origem da incapacidade ou do tempo de contribuição do segurado.
Luiz Gustavo Ferreira Ramos
Relator da Nota Técnica
Coordenador de Atuação Judicial da CSS-OAB/RS
Tiago Kidricki
Presidente da CSS-OAB/RS
Créditos de imagem: OAB/RS - Divulgação
Fonte: OAB/RS
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